Da gravidez aos filhos adultos: como a maternidade afeta a saúde da mulher

Ao longo da vida, uma mulher passa por diversas fases e eventos singulares ao universo feminino, como a gravidez, a maternidade e a menopausa.

Situações que interferem em diferentes aspectos de sua trajetória, inclusive a saúde cardiovascular. O fato é que desde a puberdade elas estão expostas a fatores que alteram o funcionamento do coração. Por isso é importante que entendam as mudanças e os principais perigos existentes em cada etapa.

Pontos que interferem no coração

Várias condições e escolhas relacionadas ao estilo de vida podem colocar as mulheres em maior risco de questões cardíacas no decorrer de sua trajetória, a exemplo de fatores comuns a todos, como:

tabagismo

diabetes

pressão e colesterol altos

excesso de peso

inatividade física

sono insuficiente

dieta não saudável

consumo de álcool

estresse

depressão

Entretanto, elas enfrentam pontos específicos associados à saúde reprodutiva que também são relevantes quando falamos coração, entre eles:

primeira menstruação precoce (antes dos 11 anos)

menopausa precoce (antes dos 40 anos)

uso de incorreto de anticoncepcionais

endometriose

síndrome do ovário policístico

parto prematuro

diabetes gestacional

distúrbios hipertensivos da gravidez

Fatores que aumentam os riscos de complicações, como a doença arterial coronariana (DAC), condição causada especialmente pelo acúmulo de placas de gordura nas artérias coronárias (as responsáveis por irrigar o órgão) e a enfermidade cardíaca mais comum entre o sexo feminino —também a principal causa de morte em mulheres.

Características do coração feminino

A estrutura do coração da mulher, de modo geral, é mais frágil se comparada à do homem. O órgão é ligeiramente menor, cerca de dois terços do tamanho, assim como o peso e a quantidade de sangue que ele ejeta, uma vez que a superfície corpórea feminina também costuma ser menor. O que acaba influenciando na frequência dos batimentos.

Por bombear menos volume de sangue por minuto e por apresentar diferenças no ventrículo esquerdo (parte responsável por bombear o sangue pelo corpo), a frequência cardíaca média das mulheres tende a ser mais acelerada.

Outra distinção do coração feminino está na circulação coronariana (ou seja, dos vasos do coração). As artérias coronárias das mulheres são mais finas e menores e, por influência de hormônios característicos, a pressão arterial é mais baixa —só tende a ficar semelhante à dos homens com a chegada da menopausa.

A gravidez e as mudanças que ocorrem para gerar o bebê

A gravidez por si só sobrecarrega o metabolismo da mulher. O coração da mãe passa a trabalhar por dois nesse período. Portanto, mesmo sem qualquer histórico ou propensão a questões cardiovasculares, a gestante já apresenta naturalmente alterações cardíacas.

O volume de sangue bombeado por minuto vai de 4 litros para até 8 litros na gravidez. E o responsável por essa circulação, como sabemos, é o coração, que precisa trabalhar mais para fazer com que esse volume se movimente pelo organismo da gestante, a fim de fornecer oxigênio e nutrientes à placenta e ao feto.

O coração da mulher passa então a bater mais acelerado, mesmo em repouso, com aumento de 30% a 50% na frequência.

Assim, é essencial que a gestante esteja em boa condição cardiológica para atender de forma saudável a essas necessidades. Quando a mulher é portadora de alguma doença cardiovascular ou já apresenta fatores de risco antes da gravidez, os cuidados precisam ser redobrados.

Embora a ocorrência de doenças cardíacas durante a gestação esteja entre 1% a 4% das mulheres, a cardiopatia é considerada a causa não obstétrica mais comum de mortalidade materna. As alterações nessa fase podem trazer à tona problemas não diagnosticados ou até desencadear e agravar uma condição.

No Brasil, a doença reumática é a causa mais frequente de cardiopatia na gravidez e sua incidência é estimada em 50% dos casos.

Outras possíveis complicações são:

alterações de pressão

diabetes gestacional

arritmias

agravamento de uma insuficiência cardíaca (devido ao aumento do esforço imposto ao órgão)

surgimento de uma infecção (endocardite –que pode atingir válvulas com alguma lesão prévia)

Por isso, é fundamental que as futuras mamães conheçam as naturais alterações do seu coração. O ideal é que os cuidados cardiológicos antecedam a gravidez.

Os benefícios da amamentação

A amamentação é uma fase importante, um ciclo natural e instintivo do corpo para que se recupere da gravidez. Se esse processo é interrompido antecipadamente, as mulheres ficam mais propensas a sofrer diversos problemas de saúde. Segundo estudos recentes, a amamentação reduz o risco de doenças e eventos cardiovasculares, como o infarto e o AVC.

De acordo com uma pesquisa publicada no periódico da Associação Americana do Coração, as mães que amamentam têm um risco 9% menor de doença cardíaca e 8% menor de AVC —em comparação às que não amamentam.

Para aquelas que amamentam por dois anos ou mais, o risco de doença cardíaca é 18% menor e o de AVC, 17%. Outros estudos apontam ainda que amamentar por mais de um ano pode reduzir as chances de diabetes, colesterol e pressão alta.

Isso ocorre porque, ao amamentar, as mulheres possibilitam que o organismo acelere a perda de peso e a eliminação de uma possível gordura armazenada de forma mais rápida e efetiva (para produzir o leite há um gasto de energia muito grande). Há ainda a liberação de hormônios estimulada pela lactação, que tem igualmente papel importante, não só na perda do peso, mas também na sua possível retenção no pós-parto.

Quando o bebê suga o seio, o corpo libera ocitocina, hormônio que atua na contração uterina, fazendo com que o útero volte ao tamanho normal e o organismo ao estado anterior à gravidez. Outro agente benéfico é a prolactina, hormônio proteico que estimula a produção do leite pelas glândulas mamárias e é liberado a partir do cérebro para a corrente sanguínea da mãe. Acredita-se que a prolactina seja um fator que ajuda a reduzir o risco de diabetes.

Os levantamentos recentes revelam que devido ao processo de amamentação, ao chegar ao período da menopausa, época em que as mulheres sofrem mais com eventos cardiovasculares devido à redução de hormônios, o coração já se encontra protegido e fortalecido, diminuindo as probabilidades de desenvolver alguma complicação cardíaca.

Conciliar maternidade, profissão, cuidados com a casa e a vida pessoal

Coração de mãe não tem folga! Depois que o bebê nasce e acaba a licença maternidade, a mulher tem que conciliar a vida pessoal, profissional, os afazeres da casa e o cuidado com os filhos. Sem falar nas preocupações, os sustos e as responsabilidades da maternidade.

Muitas vezes elas acabam se envolvendo tanto com o cotidiano que acabam esquecendo de cuidar de si mesmas, não dando atenção para sintomas que podem ser indícios de problemas sérios no coração, como um infarto: cansaço excessivo e fora do normal, queimação no estômago, dor no peito, nas costas e pescoço, por exemplo.

Para se ter ideia, estima-se que a cada dez mortes por infarto, seis são mulheres, de acordo com a SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia). E são cada vez mais frequentes os casos de vítimas na faixa dos 20, 30 ou 40 anos.

Segundo o Ipea, até 2030, a participação das mulheres no mercado de trabalho brasileiro deve crescer mais do que a masculina. Porém, as responsabilidades com a casa e a família não foram amenizadas na mesma proporção. Embora esse peso esteja melhorando com a divisão de tarefas e as novas realidades familiares, ainda gera uma sobrecarga enorme, que para muitas culmina em estresse.

E quando nos deparamos com uma situação estressante, o cérebro estimula glândulas a secretar hormônios que aumentam a pressão arterial e a frequência cardíaca. Por isso, em casos de estresse contínuo, o corpo acaba enfrentando a situação muitas vezes, o que pode desencadear eventos cardíacos graves.

Além do estresse, o efeito cumulativo de tantas atividades favorece hábitos pouco saudáveis que contribuem para a obstrução das artérias coronárias.

Filhos adultos e as mudanças vindas com a maturidade

E como ser mãe é colocar o coração sempre à prova, mesmo com os filhos crescidos, elas não deixam de se preocupar. Entretanto, é justamente na maturidade que precisam aumentar os cuidados com a saúde cardíaca. Isso porque a chegada da menopausa é um marco.

A menopausa não provoca doenças cardiovasculares, mas sua aproximação delimita um ponto na meia-idade em que os fatores de risco podem se acelerar, o que torna crucial um maior foco na saúde do coração durante esse estágio da vida.

O fato é que, por natureza, durante seu período fértil, as mulheres contam com os efeitos protetores do estrogênio, hormônio que estimula a dilatação dos vasos, otimizando o fluxo sanguíneo para o músculo do coração através das artérias coronárias.

Quando ocorre a parada definitiva da menstruação, resultante da perda da atividade folicular ovariana, a mulher perde a proteção do estrogênio e passa a ficar mais suscetível ao risco das doenças do coração.

Além disso, as mulheres na pós-menopausa estão mais sujeitas a uma súbita e incomum mudança na forma do músculo cardíaco, a chamada cardiomiopatia de Takotsubo ou “síndrome do coração partido”, que ocorre em resposta a um forte estresse emocional.

A condição é caracterizada por dores no peito e mudanças na atividade elétrica do coração que imitam um ataque cardíaco. Há também uma tendência do aumento do colesterol e fica mais difícil controlar a glicemia (nível de açúcar no sangue).

Cuidados durante toda a vida

Muito além de buscar ajuda quando algum sinal aparecer, é importante investir na prevenção e manter em dia os cuidados e as avaliações cardiológicas. Mulheres que se enquadram no grupo de risco, têm sintomas recorrentes, predisposição genética ou histórico familiar de questões cardiovasculares devem fazer um check-up mesmo antes dos 30 anos, principalmente se desejam engravidar.

Se nunca fez, a recomendação é realizar essa avaliação alguns anos antes da chegada da menopausa. Por volta dos 40 anos, a indicação é de consultas anuais (ou de acordo com a intensidade dos fatores de risco), uma vez que já se encontra na fase da pré-menopausa e o nível de estrogênio pode começar a cair.

Depois dos 50 —ou já na fase da menopausa propriamente— passa a ser indispensável fazer uma avaliação, no mínimo, uma vez por ano. Em quadros com os agravantes, a visita ao cardiologista deve ser mantida com os intervalos de quatro ou seis meses —ou de acordo com a orientação médica.

Lembrando que muitos fatores podem ser controlados com acompanhamento médico, mudanças de hábitos e estilo de vida, reduzindo as chances de infarto e outras doenças cardíacas ao longo da vida.

Fonte: Paulo Chaccur, para UOL

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