Viúva de Erasmo Carlos: ‘Não durmo no nosso quarto, não consigo retomar a rotina

Quatro meses após a morte do músico, Fernanda Esteves relembra o amor e a parceria do marido, que conheceu aos 20 anos, e narra os desafios do luto: ‘Preciso saber quem eu sou no mundo, como vai ser minha vida a partir de agora’

“A minha relação com Erasmo era muito completa.

Nestes 12 anos, a gente nunca se separou, nunca teve uma ruptura. Passamos por várias fases do relacionamento –fases melhores, fases de desgaste, claro– mas sempre soubemos contornar, porque existia uma vontade muito grande de estar junto, apesar de ser uma relação incomum.

Quando nos conhecemos, eu era muito nova, estava com 20 anos. Não tinha maturidade para entender o que era uma relação com uma diferença tão grande de idade e com uma pessoa tão importante. Aprendemos a lidar com isso juntos.

Para nós, o maior desafio era lidar com a pressão externa [em razão da diferença de idade de 49 anos entre os dois]. Se hoje, aos 33, ainda não sei lidar com isso, imagine aos 20.

O Erasmo sempre teve muito cuidado comigo e com a nossa relação, especialmente em razão da minha juventude. Antes de me casar, eu levava uma vida muito comum –morava com meus pais, trabalhava, fazia faculdade– e ele não me expunha de nenhuma forma que pudesse atrapalhar minha rotina ou a nossa relação.

Mas, sempre que a gente publicava alguma foto juntos, fosse num aniversário ou em outras datas importantes, era um desgaste. Ele postava uma mensagem de amor, e algumas pessoas xingavam, criticavam a nossa relação. Isso me impactava emocionalmente.

Por isso, escolhi me preservar. Mantive o perfil fechado e só postava fotos para familiares e amigos muito próximos. Mesmo assim, se eu sentia que [a repercussão] saía do meu controle, eu apagava. Era uma forma de proteção. Eu não queria dar abertura para ninguém profanar a minha relação.

Quando ele morreu, não tive essa opção.

Ao mesmo tempo em que eu precisava lidar com a morte do meu marido e tomar decisões a respeito do funeral, também tive que lidar com as pessoas olhando para mim e comentando: ‘Nossa, mas ela é tão mais nova’. Me senti completamente exposta, vendo o pior momento da minha vida ser escancarado na televisão.”

‘Perguntava o tempo todo se ele corria risco de vida’

“Sempre fui muito cuidadosa com o Erasmo, observava muito ele.

Em novembro, fomos para São Paulo porque ele faria um show no Jockey Club –que foi a última apresentação dele–, e eu passaria um tempo com a minha família. Falava com ele todos os dias pelo telefone e, numa dessas conversas, senti que ele não estava muito bem. Decidi antecipar minha volta ao Rio de Janeiro.

Fez exames, passou por consultas e, embora não tivesse um diagnóstico fechado, os médicos sinalizavam que era algo passageiro, que poderia ser tratado em casa. Mas ele foi piorando, piorando, até que um dia chegou ao limite, e eu falei: ‘Meu amor, não dá mais. Vamos para o hospital’.

Desmarcamos a turnê e ele foi internado.

O tempo todo eu perguntava aos médicos se ele corria risco de vida, e a resposta era sempre a mesma: ‘Não’. Diziam que ele só precisava ficar internado porque a medicação era muito específica e não tinha como tomar em casa.

Depois de alguns dias, fecharam o diagnóstico –síndrome edemigênica–, e Erasmo teve alta para seguir o tratamento em casa. Mas, assim que chegamos, percebi que ele tinha uma manchinha na perna. Duas horas depois, a mesma mancha estava maior. Ele disse que eu era exagerada e estava procurando pelo em ovo, então saí para ir ao mercado. Quando voltei, ele estava com febre, sentindo calafrios.

Voltamos para o hospital e entramos na segunda fase da internação. O Erasmo tinha pegado uma infecção muito agressiva. Tomou antibióticos muito fortes, melhorou e estava com alta marcada para dali a alguns dias, mas, nesse meio tempo, pegou uma segunda infecção.

Era uma segunda-feira quando ele precisou ser intubado. Na terça, ele morreu. Foi tudo muito inesperado, muito bruto.

Nos dias que passamos no hospital, ficava 24 horas ao lado dele e sentia que ia melhorar, que ia ficar tudo bem. A nossa rotina durante a internação era de muita conversa, muita música. Não queria que ele se sentisse sozinho, desamparado. Fiz o possível para que ele se sentisse confortável naquele ambiente que era tão hostil.

Na noite em que ele foi intubado, a última noite antes da morte dele, o médico me disse que a situação era grave, que só um milagre… Mas eu acreditava muito em milagres.

Em determinado momento, eu estava do lado de fora do quarto me despedindo de um amigo que tinha ido visitá-lo, quando o médico veio até mim e deu a notícia. Falou: ‘Fernanda, não deu mais. Ele não aguentou’.

Foi muito desesperador.

Lembro de gritar muito, gritar até a garganta estourar. Sentia uma dor horrível ao pensar que eu sairia do hospital sozinha. Perguntei para o médico se eu podia deitar do lado dele e passei o máximo de tempo que pude com o Erasmo.

Pedi para fazer a barba dele e fui cumprindo esses rituais, enquanto processava que ele não estava mais ali. Essa é a coisa mais triste da morte. A pessoa morre e você ainda está vendo ela na sua frente, mas sabe que em breve não vai vê-la nunca mais.”

‘Preciso entender quem eu sou aos 33 anos’

“Quando a gente saiu do funeral, eu me vi completamente sozinha.

As pessoas foram para as suas casas, com seus maridos e filhos, e voltei sozinha, segurando as roupas dele, as faixas das coroas de flores, qualquer coisa. Eu não tinha mais ele. É uma solidão que ninguém consegue preencher.

Eu ainda não consigo fazer as coisas que eu fazia com ele no dia a dia. A gente tinha uma rotina noturna, que era jantar e assistir a um filme ou a uma série antes de dormir. Era uma coisa nossa, um filme por dia. Eu não consigo retomar esse tipo de coisa. Nem durmo mais no quarto que a gente dormia, porque era um lugar em que estávamos sempre juntos.

O Erasmo me ensinou a nadar, então, verão, mar e piscina me lembram muito dele.

Nós nos mudamos para essa casa no ano passado, e ele viveu só dois meses aqui, não deu tempo de aproveitar nada. Mas foi um espaço que planejamos juntos. Ainda está inacabada, faltando móveis, e não consigo cuidar disso porque penso: ‘Como vou terminar a casa se ele não está aqui para desfrutar disso comigo?’.

Escrevo para ele todos os dias, porque a escrita me ajuda a organizar os sentimentos.

Faço terapia, mas ainda oscilo muito de humor. Tem momentos em que me sinto culpada por não estar me acabando de chorar. Penso: ‘Como assim o amor da minha vida morreu e não estou chorando?’. Em outros momentos, me sinto tão triste que não tenho forças para nada.

Nas primeiras semanas depois da morte, eu ouvia as músicas do Erasmo 24 horas por dia, porque sentia que, de alguma forma, ele estava falando comigo.

Agora, estou tentando me reencontrar.

Passei os últimos 12 anos tomando conta dele, e ele de mim. Não sei comer sem ele, dormir sem ele. Mas agora estou sozinha, preciso aprender a cuidar de mim e descobrir do que eu gosto, porque as coisas de que eu gostava com ele, eu gostava com ele.

Preciso saber quem eu sou no mundo, que lugar ocupo aos 33 anos, como vai ser minha vida a partir de agora.”

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