Violência Obstétrica: Conheça Seus Direitos

Confira detalhes e informação sobre as leis que se tornaram assunto de discussão após o relato da blogueira, Shantal Verdelho, ganhar espaço na grande mídia e nas redes sociais

Violência Obstétrica: Conheça Seus Direitos

Violência obstétrica. Problema antigo no Brasil e que passou a ser tema em alta depois da divulgação ampla do caso da blogueira Shantal Verdelho, envolvendo o médico Renato Kalil, que, de acordo com a mesma, em vídeo do parto, aparece xingando a parturiente de “viadinha”, “mimada” e ordenando “faz força, porra”.

Mas você sabe o que é a violência obstétrica? Provavelmente você ou alguma mulher que você conhece tem uma história para contar, porque, infelizmente, essa é somente mais uma das modalidades de violência experimentada por milhares de brasileiras anônimas.

A primeira coisa que se precisa ter em mente quando se pretende combater esse tipo de violência é que, assim como as outras formas de violência de gênero, ela só ocorre pelo fato de nós mulheres sermos vistas não como seres humanos, mas como coisas a serviço de algo ou alguém. São a objetificação e a invisibilização das mulheres que constituem o ambiente propício à violência.

Sem perder o foco da premissa, o segundo passo seria conhecer a legislação que ampara as mulheres durante o pré-natal, o parto e o pós-parto e os dados sobre os casos de violência no Brasil. Correto? Seria, mas os dados disponíveis são defasados, assim como não há uma legislação específica no País, o que não impede de, a partir dos dados disponíveis, projetar-se o tamanho do problema e ainda utilizar outros instrumentos jurídicos internacionais e nacionais para coibir a prática, punindo seus responsáveis.

Começando do começo: o que caracteriza a violência obstétrica?

De acordo com a Organização Mundial da Saúde – OMS, a violência obstétrica é um termo que classifica abusos físicos e/ou psicológicos sofridos pelas mulheres no âmbito dos serviços de saúde no momento do pré-natal, parto e pós-parto.

Constitui-se por falhas nos hospitais e clínicas, além de casos de infusão de ocitocina sintética para acelerar o trabalho de parto, a pressão sobre a barriga para empurrar o bebê (manobra de Kristeller), a lavagem intestinal sem indicação, a retirada dos pelos pubianos, a realização de exame de toque exagerada (procedimento que causa dor e desconforto). Outros exemplos são humilhações por médicos, enfermeiros e outros funcionários e vedar a presença de acompanhante escolhido pela mulher. E a mais comum delas, agendar parto cesáreo sem necessidade.

Apagão de dados

Existe defasagem de dados quanto aos números da violência obstétrica no Brasil, porém os dados disponíveis já são alarmantes, isso sem considerarmos que grande parte das vítimas não denuncia, seja por não confiar no sistema, por desconhecer seus direitos ou ainda, sequer reconhecer-se como vítima de uma violência.
De acordo com pesquisa divulgada em 2010, pela Fundação Perseu Abramo, uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto.
Já a Fiocruz, na pesquisa Nascer no Brasil, divulgada em 2014, além de confirmar a razão de uma para quatro, revelou que a chance de dar à luz sem intervenções é de apenas 5% das mulheres brasileiras.

Brasil uma terra sem lei?

Além das regras internacionais que o Brasil se obriga a cumprir, por ser signatário de pactos como a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, “Convenção de Belém do Pará” de 1994, a Constituição Federal tutela em vários dispositivos, inclusive como direitos fundamentais, o direito à vida, à saúde e à dignidade, entre outros e legislações acessórias, fundamentam a defesa de direitos às mulheres gestantes, parturientes e puérperas.

As leis nº 11.108/2005 e nº. 8080/90 garantem, às parturientes, o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS e dispõem sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, respectivamente. Além disso, os Códigos Civil e Penal podem, a depender do caso, fundamentar o ajuizamento de ações para a reparação de danos e a possível responsabilização penal dos responsáveis.

Retrocesso

No ano de 2019, o Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução nº 2232 que trata da “recusa terapêutica”, mas que na verdade apresenta tantas exceções nas quais os médicos podem desprezar o desejo da parturiente, que acabou reforçando a tutela excessiva do corpo da mulher, praticamente inviabilizando sua autonomia e protagonismo no parto.

Em maio de 2019, o Ministério da Saúde divulgou o posicionamento oficial da pasta, dispondo que “o termo ‘violência obstétrica’ tem conotação inadequada, não agrega valor e prejudica a busca do cuidado humanizado no continuum gestação-parto-puerpério.”.

O Ministério Público Federal – MPF interviu e o Ministério da Saúde mostrou maior flexibilidade quando divulgou outro documento, no qual reconhece a legitimidade do uso do termo que melhor represente as experiências de cada mulher quando do parto e nascimento, sem, no entanto cunhar a expressão “violência obstétrica”, utilizada pela OMS.

O que fazer?

A mulher que for vítima de violência obstétrica pode buscar canais administrativos e realizar denúncias ao MPF, se a violência ocorrer no âmbito do SUS, na Ouvidoria do hospital, e junto à Agência Nacional de Saúde – ANS em casos de saúde suplementar e na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, neste último caso para denunciar problemas nas instalações do Hospital. Além disso, deve procurar tão logo seja possível, assistência jurídica, seja por advocacia privada ou pela Defensoria Pública.

O Brasil ainda está muito longe de chegar perto de combater efetivamente essa e outras violências contra a mulher. A repercussão do caso da Shantal foi importante para jogar luz nesse tema, embora lamentável que ela tenha passado por isso, quando nenhuma mulher devesse passar por algo semelhante em um momento tão delicado quanto o parto. Mas é preciso partir de algum lugar e a conscientização sobre direitos é o ponto de partida.

É importante que a pessoa que se determinar a denunciar possua uma boa rede de apoio familiar e psicológico, porque o andamento do processo revitimiza, obrigando a mulher, muitas vezes, a reviver a violência. Ainda assim, é preciso lutar pelo protagonismo e a autonomia sobre os corpos e vidas das mulheres e, nesse caso, o estímulo às denúncias é o caminho.


Por Jeniffer Rodrigues – Defensora Púbica do Estado do Pará, clique aqui e acesse o perfil da colunista.
fotografia: @waldamarques

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