Menopausa, um rito de passagem com novas possibilidades

A maturidade feminina traz novas sensações e descobertas. O medo do desconhecido, uma certa percepção de inadequação e de estranhamentos podem estar presentes no tempo das carências hormonais. Acompanha-se o movimento sutil das transformações do corpo. A pele, a memória, a vagina, a libido, as oscilações térmicas, são todos ajustes necessários do corpo para a nova fase que chega. Fase em que grande parte de nós vive de forma desconfortável, reforçadas pelas culturas patriarcal e etarista, nos direcionam para a valorização social do útero reprodutor e dos nocivos padrões de beleza.

A experiência climatérica é subjetiva, há mulheres que envelhecem mas não amadurecem. Os projetos e sonhos se distanciam, podem chegar a uma complicada relação com o tempo. A idade é inevitável, mas o amadurecimento é uma escolha. Percebi, o quanto é urgente desconstruir a narrativa pejorativa da menopausa, como a fase mais infernal para a fase mais iluminada na vida da mulher, explico adiante. Primeiro é preciso despatologizar e vivenciá-la como parte natural do ciclo de vida. Entrar na menopausa é como adentrar num portal de muitas descobertas, principalmente a de si mesma. Nesta travessia, revisita-se as diversas camadas de dor que anestesiamos ao longo da vida. Desperta-nos para uma grande revolução interior. 

Na nova fase, liberdade é palavra preciosa, queremos retomar quem somos e o que queremos de verdade. O conhecimento e o autoconhecimento são recursos potentes nesse caminhar. Quanto mais sei sobre mim, mais sou capaz de fazer as melhores escolhas e seguir os melhores caminhos. Saber sobre si mesma é aprofundar em reconhecimento da própria trajetória e dos árduos processos que se vive. Reconhecer-se na própria grandeza de coragem e assim, agir com inteireza. É tempo de renascer em si e para si mesma, continuar a percorrer a tríade vida/morte/vida citada por Clarissa Pinkolas Estés, no seu livro-bíblia Mulheres que correm com os lobos. Na vivência da segunda fase adulta, chegam também muitos questionamentos. O que desejo fazer neste último terço de vida que teoricamente tenho? Quais os novos papéis e desafios na maturidade feminina?

Foi neste transbordar de questionamentos que precisei sair de cena, pausar-me para melhor compreender e ajustar as seguintes. A menopausa chegou discreta e provocativa, foi me tirando do eixo e escancarou as minhas vulnerabilidades em plena pandemia. Não encontrei acolhimento e nem orientação médica desejada. Vivi quase que solitariamente os dilemas que ela me trouxe. Termos, conceitos, classificações e nomenclaturas, sentimentos nunca antes navegados. Muitas vezes, adentramos perdidas nessa fase, ou nos perdemos propositalmente pelas próprias sombras sociais já citadas que a menopausa carrega.

A formação anterior em psicologia e no cuidado integral da mulher madura, além da própria vivência, possibilitaram-me rever e compreender as nuances do ser mulher madura. Senti de criar o movimento Conversas Maduras em Portugal, com intuito de desconstruir a forma enviesada que incorporamos o envelhecer feminino. Para ajudar outras mulheres em suas travessias climatéricas, nos seus processos de transformação psíquica e emocional. Nos encontros mensais há diálogo, há muita escuta, trocamos reflexões e saberes para que seja possível um novo olhar sobre nós mesmas e o mundo que vivemos. Estar em roda de mulheres, muitas vezes, é exatamente o que precisamos para fortalecer os nossos processos íntimos e pessoais para viver a menopausa com mais leveza, conhecimento, autonomia de nossas escolhas de saúde, e principalmente, poder envelhecer em paz.

Graças às deusas, o despertar da maturidade possibilita reconhecer que agora podemos usufruir a liberdade dos papéis sociais. Que podemos fecundar em ideias e projetos. Conectadas e conscientes somos força que pulsa e transborda. Não vamos terceirizar a culpa nas costas largas da menopausa e nem permitir mais que contaminem as nossas límpidas águas criativas e realizadoras.

Katya Borges, @conversasmaduras, terapeuta de casal e do cuidado integrado da mulher madura.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *