Marílias, Laras, Marias e todas nós!

Eu tenho uma filha de 10 anos, uma menina linda, ativa, falante e desafiadora, que desconcerta pelas suas opiniões sobre o mundo, mesmo que esteja a tão pouco tempo nele. Essa menina também me ajuda a perceber, entender, aprender e me assustar com a forma como as opiniões da sociedade – que somos nós – impactam, pois, muitas vezes, a fala minha filha, munida de toda a liberdade que damos a ela, representa a crueza da resposta das crianças, que não… não é só bonita, pode ser o retrato borrado, feio e perturbador do que estamos construindo como coletividade.

Saindo do carro, ela me conta que está com a música daquela “moça que morreu no avião” na cabeça e começa a cantarolar: “Se todo mundo vê porque você não tá vendo, todo esse esforço que eu tô fazendo.” Seguimos andando pelo estacionamento até o elevador, dentro dele, em frente ao espelho, ela diz quase como numa reflexão para si: “Preciso emagrecer, essa gordura aqui me incomoda.”, apertando a gordurinha na lateral dos seios (que recentemente começaram a crescer), sim… essa que todas nós temos e que, por algum motivo, definiu-se que não é bem vinda: “Para você se sentir orgulhoso, para você se apaixonar…” segue cantando.

É frustrante demais! Para muito além das redes, tenho trabalhado ativamente a forma como me refiro aos nossos corpos – digo nossos por incluir o meu também. É um exercício ativo e constante de vigilância, não se depreciar e não perpetuar o olhar de descontentamento para o corpo real que tem curvas, dobras, furos, pelos, veias e história, a história de cada uma. Tenho trabalhado para não ensinar a minha filha, através de mim, o ódio ao seu próprio corpo. Então, como ele, esse descontentamento, a alcança?

Começo eu a cantarolar mentalmente… Marília Mendonça morreu jovem, aos 26 anos. Cantou as dores das mulheres em primeira pessoa, suas músicas foram sucesso na sua voz potente e também na voz de muitos outros artistas.

Deixou um filho, números impressionantes de trabalho, amigos fiéis, mas Marília era mulher e como mulher o seu corpo estava ali para escrutínio público, para análise, para apontamentos. Esse corpo que – como afirmaram insistentemente depois da sua partida – não era bonito para a indústria. O corpo de Marília teve tanto destaque quanto o fato de que ela compôs a sua primeira canção aos 12 anos e que já falava de amor, rainha da sofrência que era, com todo o direito a coroa.

“Justo agora que ela emagreceu.” Outros tantos disseram, como se uma existência toda, de sucessos e alegrias, fosse diminuída em função disso. Como se o fato de estar fora do padrão (que ranço tenho desse termo!) invalidasse um pouco as realizações de qualquer uma, não só da Marília. Nossos corpos, nem sem vida mais, ficam em paz e se não fizermos alguma coisa, ninguém vai fazer pela gente, não. Ninguém vai fazer!

Lara e Marília se encontram comigo, com Anas, Marias, Joaquinas, com você, com todas nós.

Não admita que seu corpo seja pauta, mas também não admita que o corpo de outra mulher seja pauta e, talvez, o mais importante, não faça parte do coro e não transforme o corpo de outra mulher em assunto, esteja ela viva ou, infelizmente, morta. Imponha o respeito a esse templo que carrega o sopro de vida que somos.

Entramos em casa, Lara e eu. Tirei minha blusa e coloquei uma regata, mostrei a ela minha pele, mostrei a ela os braços e corpos de outras mulheres incríveis, reais, possíveis e terminamos a noite cantando juntas Marília, em homenagem a ela e um tanto grande por nós.

Descanse em paz rainha.

Por Lilian Sá

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