Executivas como Fernanda Giuntini (Americana Foods), Lícia Souza (WE Impact) e Cristiane Mendes (Chiefs.Group) falam de seus desafios profissionais
Apesar das pautas de diversidade terem tomado conta do ambiente corporativo nos últimos anos, a equidade de gênero em cargos de alto comando ainda deixa a desejar. De acordo com o estudo Women in the Boardroom 2022, realizado pela consultoria Deloitte, apenas 5% dessas posições são ocupadas por mulheres no mundo, número que cai para 1,2% no Brasil. Com isso, o país ocupa a 39ª posição entre 51 nações avaliadas.
Outro desafio enfrentado pelas executivas é a disparidade salarial. A pesquisa Global Female Leaders Outlook 2022, da consultoria KPMG, foi realizada com 884 mulheres em cargos de liderança em todo o mundo, sendo 44 no Brasil, e constatou que 32% delas acham que falta transparência por parte das empresas em relação à igualdade de salários femininos e masculinos. Para 96% das brasileiras consultadas, é necessário mais empenho na construção de uma cultura com paridade de gênero, diversidade e inclusão nos mais altos níveis das empresas.
Nesse cenário, as profissionais que conseguem furar a bolha de gênero no mundo dos negócios precisam se adaptar para atuar em um ambiente predominantemente masculino, com poucos pares para ter identificação, ao mesmo tempo em que pavimentam o caminho para outras mulheres. Conheça algumas delas abaixo.
Choque cultural no Oriente Médio
Vice-presidente da Americana Foods, empresa de um dos principais operadores alimentícios do Oriente Médio e Norte da África, Fernanda Giuntini começou a trabalhar ainda adolescente, incentivada pelos pais que priorizavam a educação financeira. Dessa forma, atuou com vendas, se formou em Turismo e passou por diferentes áreas do setor, além de ter aberto o próprio negócio com apenas 24 anos: a loja Divina Empada, que existe até hoje. Pouco tempo depois, teve a oportunidade de redirecionar drasticamente a carreira, assumindo um cargo na multinacional BRF e se mudando para os Emirados Árabes Unidos.
“Eu vislumbrei uma oportunidade de crescer no futuro e, assim, entrei na BRF como vendedora e saí como Gerente de Marketing do Oriente Médio. Quando cheguei em Dubai, 15 anos atrás, foi um choque. Tive que fazer adaptações no meu comportamento para evitar ser mal-interpretada, mas hoje eu tiro de letra, mesmo sendo a única mulher na sala em inúmeras ocasiões. Por outro lado, vejo cada vez mais a preocupação com agendas de diversidade de gênero na minha companhia e em outras empresas da região, assim como em todas as partes do mundo. É um momento único para mulheres se recolocarem no mercado”, diz Fernanda Giuntini.
A executiva ainda destaca a “síndrome de impostora” como um grande empecilho para mulheres no mercado de trabalho e elenca atitudes para virar o jogo. “Muitas vezes, as mulheres acham que não estão aptas para assumir um desafio e acabam não se sentindo confortáveis em um cargo de destaque, um projeto ou uma empresa. A minha dica é identificar as fraquezas e trabalhar nelas para se sentir mais confiante, além de, claro, mapear os pontos fortes para realçá-los, sem perder o pé no chão”, aconselha a VP da Americana Foods, que ainda é investidora-anjo da associação BR Angels, onde ajuda a impulsionar o empreendedorismo com capital financeiro e intelectual para novos negócios no Brasil.
Carreira e maternidade
Lícia Souza já tinha uma carreira como advogada quando começou a flertar com o ecossistema de startups, em 2016, ao atuar como advisor jurídica de uma empresa de capital de risco. No entanto, foi em 2018, quando se viu grávida e com a segurança do cargo executivo colocada à prova, que o caminho do empreendedorismo a encontrou e ela aceitou participar de um projeto para o desenvolvimento de startups.
“Quando uma mulher engravida, diversas inseguranças passam pela sua cabeça, como o medo de ser descartada pelo mercado de trabalho. E essa é só uma amostra do quanto é mais difícil se firmar profissionalmente sendo mulher. Mas, uma vez engajada e diante da experiência recente da maternidade, não foi difícil abraçar esse novo desafio e definir que a tese teria foco em diversidade e inclusão”, afirma Souza.
“O desejo de trabalhar pela causa feminina veio também da indignação de uma conta que não fecha: as mulheres representam 50% da população, portanto, devem ter representatividade em lugares de tomada de decisão. Isso gera uma realidade mais justa, inovação real, maiores lucros e benefícios para toda a sociedade, já que uma maior participação feminina no mercado e em cargos de liderança geraria aumento de até US$ 12 trilhões no PIB global até 2025”, complementa a executiva.
Esses incômodos culminaram na criação da WE Impact, primeira venture builder dedicada a startups fundadas e lideradas por mulheres no Brasil, que contou com o apoio da gestora de recursos Bertha Capital. A WE Impact viabiliza investimentos de até R$ 500 mil em negócios early-stage de base tecnológica que tenham mulheres no quadro societário e na direção, além de modelo B2B ou B2B2C. Para a fundadora e CEO, que também carrega os títulos de mãe da Júlia, uma das “39 Women to Watch in the Latam CVC” pela Global Corporate Venturing em 2022 e aliada dos Women’s Empowerment Principles junto à ONU Mulheres, o empreendedorismo é uma forma de alavancar a participação feminina no mercado de trabalho e na tecnologia.
“A maioria esmagadora dos VCs é fundada e liderada por homens. E o funcionamento do mercado é como um grande clube, você entra através de networking, indicações e, claro, por identificação. As fundadoras que desejam levantar capital encontram ainda mais dificuldades. Sendo assim, é muito importante ter em mente que receber um tratamento igualitário, com respeito, não é pedir favor a ninguém – é um direito nosso”, conclui Lícia Souza.
Captação de recursos para mulheres
Com uma trajetória de mais de 25 anos no ambiente empreendedor brasileiro, Cristiane Mendes já ocupou todas as posições no percurso de formação das empresas, indo desde colaboradora, que é de fato quem faz os processos avançarem, até founder, que é quem cria o sonho e engaja os colaboradores. Além disso, desempenha os papéis de conselheira, mentora e investidora. Para ela, foi a riqueza de experiências que proporcionou uma visão holística de mercado e fez com que adotasse a diversidade como um dos principais valores.
“Passar pelas dores e alegrias de ver um negócio avançando, da ideia à execução, me fez perceber que estamos vivendo um grande reset no mundo do trabalho e nas formas que temos de agregar valor às organizações. A gente vinha de um momento em que as companhias eram o centro de tudo e, cada vez mais, o talento se tornou o fator central. Os profissionais, agora sabedores do poder dos seus talentos, podem escolher dedicar o seu tempo a múltiplos projetos. Esse é um processo sem volta, que tende a se intensificar, e traz uma oportunidade única para impulsionar a presença de lideranças femininas e o poder de influência das mulheres”, comenta Mendes.
A partir dessa percepção, ela criou a HR Tech Chiefs.Group, que destina profissionais C-Levels para atuação on demand em empresas, startups e projetos pontuais, com diferentes formas de remuneração. Para a CEO, a possibilidade de acessar talentos de qualquer lugar do mundo e com qualquer background retira vieses e abre portas para pessoas de qualquer gênero, orientação sexual, raça, crença e formação. No entanto, a executiva destaca os obstáculos para um negócio proveniente de uma minoria captar recursos e prosperar.
“Durante um período de captação e M&A, eu pude notar como pode ser mais desafiador pra gente. Esse é um ambiente extremamente masculino, não só sob o ponto de vista dos membros, mas algumas características dele podem destoar das nossas preferências – um exemplo disso é a agressividade que os investidores demandam dos empreendedores. O que eu observo é que esses ambientes demandam das mulheres uma demonstração muito maior de confiança. A dúvida é vista pelos homens como fraqueza e não como uma oportunidade de trabalho em conjunto, de uma troca de ideias. Muitas vezes, quando uma líder tenta criar um ambiente colaborativo, onde todos têm as suas opiniões, isso é visto como um sinal de hesitação, o que não é verdade”, conta Cristiane Mendes.
“A mulher tem características incríveis na forma de trabalho, como a empatia e o engajamento, e merecemos o reconhecimento por isso”, finaliza a executiva, que ainda é co-fundadora do Delivery Center, Shopping Brasil (atual GFK) e Visor.
Fonte: IG Delas