Marta Suplicy, atual secretária municipal de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo, foi a primeira mulher eleita senadora por São Paulo, em 2011/ Mandato: 2011-2019; Presidente da Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS), 2017/2019; Primeira vice-presidente do Senado, 2011/2012; Ministra da Cultura, Set. 2012/Nov 2014; Ministra do Turismo, Mar. 2007/Jun. 2008; Prefeita de São Paulo, 2001/2004; Deputada federal, 1995/1998.
Formada pela PUC-SP, com mestrado em Psicologia Clínica pela Michigan State University e Pós-Graduada na Stanford University, Marta Suplicy é autora de nove livros e foi pioneira na apresentação de um quadro sobre comportamento sexual na Rede Globo (TV Mulher); programa exibido, posteriormente na TV Manchete, na década de 80. Como colunista, escreveu para a Folha de S. Paulo e O Dia; Revistas Cláudia e Vogue.
Confira a entrevista concedida com exclusividade à Revista Conecta.
RC: Como se dá a relação entre a mulher e o contemporâneo (no Brasil e no mundo)?
Neste início de século 21, após muitas lutas feministas, a relação da mulher e o contemporâneo, em média e no geral, no Brasil e no mundo, nos situa mais conscientes e empoderadas do que em relação ao passado. Isso em diferentes modos, ou intensidade. Mas, como disse Simone de Beauvoir, basta “uma crise política, econômica, ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”. Essa citação é tão verdadeira quanto no dia em que foi escrita. Claro que falta muito, mas a submissão ao patriarcado está enfraquecendo. Até as ondas reacionárias nos dão esse sentido de mudanças profundas acontecendo.
RC: Quais os desafios em comum entre mulheres de diferentes países ou regiões?
Crescer saudável, estudar, votar e ser votada, ter autonomia em relação a decisões que permeiam direitos reprodutivos, de trabalho, de compartilhar as responsabilidades pela criação de filhos, integridade moral e física, independência financeira. Temos uma parte do mundo com abertura às reivindicações das diversas ondas feministas, mas há Estados que seguem reprimindo e massacrando mulheres.
RC: Quando se fala de ocidente e oriente essas relações mudam?
Sim, completamente. Onde a cultura machista está mais radicalizada, pior é para as mulheres. Cada sociedade tem sua complexidade.
RC: A senhora foi apresentadora de televisão, é gestora pública (atuou e ainda atua em diferentes áreas). Este “lugar” ainda é restrito ou já há uma abertura maior?
Existe uma abertura maior nas televisões, pelo que percebo. Tenho o hábito de assistir os noticiários, na tv aberta e em canais por assinatura, e vejo mais mulheres liderando o noticiário, mais pessoas negras. Está sensivelmente melhor do que tínhamos no passado e deve seguir melhorando. O ambiente é favorável a isso na mídia e não tem volta. Somos um país com 55% de negros e pardos. Como gestora, penso que temos de olhar dentro das instituições públicas e para fora, na sociedade. Assim, costumo observar indicadores que abordam essa temática e são elaborados por instituições sérias. De 2020, temos o estudo “Women, business and the law” (“Mulheres, negócios e a lei”) do Banco Mundial. Ao medir a igualdade legal e econômica entre os gêneros em diferentes países, somente oito obtiveram a pontuação máxima: Bélgica, Dinamarca, França, Islândia, Letônia, Luxemburgo, Suécia e Canadá. O Brasil, com 81,9 pontos, ficou atrás da África do Sul, do México, do Paraguai, do Peru e do Uruguai. Ainda em 2020, o Fórum Econômico Mundial analisando os avanços na igualdade de gênero no mundo, entre 2006 e 2020, apontou que serão necessários 257 anos para superar as desigualdades entre mulheres e homens nos mais de cem países analisados. São elementos que podemos trazer ao debate para considerar como poderemos avançar aqui e no mundo. Aqui gênero e raça caminham juntos.
RC: Neste contexto, por que há relevância de a mulher estar nestes espaços?
Nos meios de comunicação, nas empresas, no poder público, em todos os ambientes possíveis, paridade é o mínimo que podemos almejar para equilibrar as relações sociais, erradicar machismo, violência doméstica e outros males da cultura patriarcal que tem custado vidas, produz desajustes, prejudica a economia dos países. Ocupar, validar a participação de mulheres é essencial. É uma questão em marcha. Países com ministras se saíram melhor na pandemia. Empresas com mais mulheres também.
RC: Muito além de ocupar, por que a mulher precisa criar estes espaços?
Criar os espaços, sim, isso é fundamental! As lutas feministas todas visam, em essência, a criação de espaços: do lugar de fala, do pertencimento, da mulher em seu direito à vida, à independência econômica, à equidade. Nada de mansplaining ou manterrupting.
RC: A frente da Secretaria de Relações Internacionais o seu conceito de mundo mudou? Como que a senhora se vê nesta pasta?
Aprendi muito. Uma coisa é ter noção da importância das relações internacionais; outra, é a responsabilidade para mantê-las.
RC: Como psicóloga comportamental e sexóloga a senhora percebe avanços ou retrocessos, sexo ainda é um “tabu” no universo feminino? Ainda é “coisa de homem”?
O problema é que vivemos grande retrocesso não tendo educação sexual nas escolas. Há uma interpretação equivocada e perversa da questão de gênero, sendo que é fundamental esse debate, pois é a âncora do patriarcado. Isto é: cada sexo biológico tem seu papel social, que, no patriarcado, não pode ser mudado. Fazem uma salada para confundir isso com homossexualidade, transexualidade. Nada a ver. O debate sobre a questão de gênero trata do “lugar” das pessoas na sociedade; é sobre poder; é sobre o empoderamento de mulheres. É para levantar a autoestima das mulheres e dar um basta à ignorância e ao retrocesso. Não tendo a educação sexual nas escolas o preconceito e a ignorância imperam.
RC: Nesta edição trazemos uma matéria sobre imigrantes, qual a sua percepção sobre o tema?
É um dos desafios deste século, frente às questões das mudanças climáticas. Temos de buscar saídas que incluam compreender os fluxos migratórios, acolher populações e em cada localidade aonde venham a residir que sejam compreendidos como cidadãos. Agregados nas comunidades, e não pontuados como “os de fora”. Combater a xenofobia e o racismo estrutural são desafios imensos. São Paulo acolhe os imigrantes e tem bom reconhecimento internacional.
RC: No mês de novembro acontece o Dia do Empreendedorismo Feminino, empreender é uma ferramenta para a mulher no processo pela busca da autonomia, independência e emancipação?
Empreendedorismo feminino já é um destaque. Dados do Global Entrepreneurship Monitor 2020 (GEM), principal pesquisa sobre empreendedorismo do mundo, realizada em parceria com o Sebrae, apontam que 55,5% das novas empresas criadas no período da pandemia foram abertas por mulheres. A independência financeira é o caminho mais forte contra a opressão do machismo estrutural, do patriarcado.