Reflexões sobre “As Meninas” de Lygia Fagundes Telles

Recentemente li “As Meninas”, um livro que me fez mergulhar nos pensamentos das personagens Lia, Lorena e Ana Clara, três personalidades distintas que dialogam consigo mesmas e entre si, desenvolvendo suas histórias pessoais em busca de sua própria individuação. A obra, escrita por uma das maiores escritoras brasileiras do século XX, Lygia Fagundes Telles, me permitiu revisitar o passado e recordar… afinal, todos nós temos ou já tivemos ao menos três amigas para confiar.

Durante esse regresso à minha adolescência vivida os anos 2000, proporcionado pela leitura de “As Meninas”, descobri a transição de três meninas da infância para a juventude em pleno Brasil dos anos 70, um período marcado pela ditadura militar e pela censura.

Lia, uma estudante de Ciências Sociais engajada na militância política contra o regime militar, busca justiça social, mas também carrega as angústias de um relacionamento amoroso complexo com Miguel, um militante perseguido pelo governo. Lorena, o oposto de Lia, é uma jovem rica e sonhadora, estudante de Direito, que vive em um mundo de fantasias alimentadas por livros e pela espera de um amor idealizado, o médico M.N. Ana Clara, por sua vez, é marcada por um passado de abuso sexual e dependência de drogas, tentando equilibrar-se entre a busca por redenção e a autodestruição.

Essas três mulheres profundamente humanas vivem suas vidas em uma constante tensão entre a realidade e suas próprias ilusões. Ao som de Jimi Hendrix, descrevem seus conflitos, revelando a existência de movimentos ao redor do mundo em busca de transformações culturais e sociais.

Enquanto no Brasil, a resistência artística florescia apesar da censura militar, internacionalmente, a contracultura e a Guerra Fria moldavam as narrativas. Surgia em diversas partes do mundo uma juventude rebelde e questionadora a exemplo do movimento estudantil de Maio de 1968 na França, da Primavera de Praga na Tchecoslováquia comunista e da Passeata dos Cem Mil no Brasil que questionaram politicamente o status quo e abalaram o comportamento social em diferentes localidades.

Na América floresciam festivais de rock ao ar livre, do lado latino surgia uma nova geração de músicos. Figuras como Belchior, Gonzaguinha, Djavan, Ivan Lins, Tim Maia, Clara Nunes, Raul Seixas e Guilherme Arantes transformaram protesto em música, fazendo ecoar a Música Popular Brasileira (MPB), representada ainda por nomes como Elis Regina, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa.

E se Janis Joplin e Jim Morrison tornaram-se símbolos de uma vida alternativa, de amor e drogas, Lygia discutiu em seu romance temas como a sexualidade feminina, o abuso sexual e a homossexualidade. A autora desconstruiu, em “As Meninas”, uma identidade feminina monolítica prevalente na literatura da época, onde as mulheres eram representadas de forma simplificada e uniforme, desconsiderando a diversidade de suas experiências, personalidades e contextos.

A cada geração surgem novas lutas e aspirações. Muitas são as Lias, Lorenas e Ana Claras pelo mundo, cada uma a seu tempo, com suas próprias lutas e aspirações. “As Meninas” lutaram contra a ditadura, nós seguimos clamando pela permanência da democracia.

“Para que eu seja assim inteira, é preciso que não esteja em outro lugar senão em mim” (Lygia Fagundes Telles).

Maiza Silva é Jornalista formada pela PUC MINAS, em Rádio e TV pelo Centro Universitário Newton Paiva e Especialista em Diversidade e Inclusão pela PUC MINAS. Como Editora Executiva da Rede Conexão Mulher, presente em 5 continentes e que já promoveu mais de 70 eventos mundiais, voltado para o Empreendedorismo Feminino, é editora da Revista Conecta e do projeto Somos F*das, livro que conta a história de mulheres empreendedoras. Sempre presente em causas ligadas à diversidade e à igualdade, atua como publisher, produtora de conteúdo, revisora e ghostwriter, desenvolvendo projetos com objetivo de registrar nas páginas da história o legado de mulheres e de marcas focadas no universo feminino, capacitando escritoras nacionais e internacionais a registrarem a própria biografia em formato de livro físico ou digital.

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