Representatividade que resgata

Nem publi, nem exposição. Presença das filhas nas redes sociais de Samara Felippo é a reconstrução da identidade de um povo.

A cena é comum para quem é mãe de menina: escova de cabelo, “xuxinha”, borrifador, menina sentada no chão. Quem tem cabelo crespo sabe, pentear os cabelos é hora de choro e ranger de dentes, bom, era.

Quem segue Samara Felippo nas redes sociais, com certeza, já viu a atriz cuidando dos cabelos das filhas Alicia (13) e Lara (9) e, ao contrário do que se via no passado, ajeitar os cabelos para essas três é sinônimo de empoderamento e representatividade.

Atitude que transforma comportamentos

Quando Samara abre a câmara e começa uma live com as filhas nas redes sociais, ao contrário do que muita gente pensa, a atriz está contribuindo para a reconstrução da imagem do negro na sociedade.

A atitude que tem nome e transforma comportamentos trata-se da “Representatividade”, ação de representar politicamente os interesses de determinado grupo, classe social ou povo.

Me deparei com o racismo estrutural quando Alicia, minha filha mais velha, tinha 7 anos. Estava deitada no meu sofá, na minha casa, do meu condomínio de classe alta na Barra da Tijuca, num domingo qualquer, quando ela virou e disse: “Mamãe, quero alisar meu cabelo!”, revela Samara. “Eu não sei o que deu, mas aquela frase me bateu como um alerta, me atravessou, me doeu, me intrigou, me angustiou. Se eu não estivesse disposta a furar aquela “bolha branca” na qual a sociedade me criou, eu poderia simplesmente ter alisado o cabelo da minha filha no próximo agendamento do salão”.

A falta da representação e construção de subjetividade e identidade do povo preto contida na frase dita por Alicia, despertou em Samara, naquele instante, a necessidade de ensinar as filhas desde cedo sobre equidade de raça.

Criei o canal “Muito além de Cachos” no YouTube, uma iniciativa minha para, como diz o nome, além de falar da beleza e cuidado com os cachos e crespos, trazer representatividade em tudo que procurei nas minhas buscas para mostrar a minha filha e tantas outras meninas pretas, como elas pertenciam”, conta.

O cabelo e a construção da identidade do povo preto

Um comercial de TV, uma boneca pela qual presenteamos as crianças e até mesmo a escola em que nossos filhos estudam diz muito sobre como os indivíduos estão representados na sociedade.

No mundo contemporâneo, quando ligamos a TV ou interagimos nas redes sociais vemos em cada um desses veículos, o perfil ideal de pessoas e em que posição social elas estão. Nesse sentido, a cor da pele diz muito sobre a profissão, os lugares por onde elas circulam, as origens e até o destino que as esperam.

Mas, os cabelos… Por que eles são tão importantes para a identidade do povo preto?

A forma, o corte e os adereços de cabelo mais do que a estética em si, para os povos originários representava desde as origens, etnias, religiões até o status social que carregavam. E raspar os cabelos do povo africano trazidos às américas para serem escravizados, mais que uma prática comum, era, na verdade, uma forma de estigmatizar o povo preto. Dentre todas as maneiras de rechaçar as características físicas dos negros, uma das mais representativas é o cabelo, certamente pelo significado que carrega.

Muitas mães pretas nem sabiam como cuidar, porque alisaram o cabelo a vida toda, muitas alisaram para proteger sua filha do que ela sofreu, muitas mulheres desabafando que nunca conheceram a textura de seus cabelos”, conta Samara. “Acredito que junto com o canal, elas aprenderam a se amar mais, a saber cuidar de seus cachos com amor e admiração. Aprenderam porque elas são essas misturas lindas que vieram de uma relação inter-racial e aprenderam que são pretas. Não são pardas, não são morenas, não estão num limbo”.

Durante a caminhada de Samara em estimular a representatividade através do o canal “Muito além de Cachos”, a atriz conta que além de buscar referências de mulheres pretas empreendedoras, livros, brinquedos, bonecas pretas, buscou referência de atrizes, cantoras, blogueiras, modelos, filósofas, cientistas e apresentadoras com cabelo e tons de pele parecidos com os da filha.

Questionada sobre como e quando falar sobre racismo com as crianças, a atriz enfatiza que uma criação antirracista começa com o exemplo, sem preconceitos e por meio da educação e da escuta ativa.

Hoje, elas têm identidade, ancestralidade, poder e escolhas, principalmente. Elas, hoje, já identificam uma situação racista, mesmo que não seja com elas, conseguem nomear para se defender e combater”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *